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Psicose Santiago






Olá crianços, bem-vindos à minha mais nova coluna. Por favor, sentem-se, fiquem à vontade e sintam-se em casa. Nessa primeira etapa, vou fazer uma tentativa infame de salvar algumas obras da literatura que o cinema fez força pra destruir.
Francamente, todo apreciador das leituras já passou raiva assistindo alguma adaptação cinematográfica que fez todos os seus amigos iletrados odiarem seu livro favorito antes mesmo de lerem (fãs do Stephen King, um passo à frente).
Enfim, me deem essa chance e deixem-me tentar salvar pelo menos alguns desses. Quem nunca preferiu o livro, que atire a primeira pá de merda.

Abrindo nossa seleção, com a benção dos Deuses, discutiremos a série Percy Jackson e os Olimpianos, tão injustiçada nas telonas, focando aqui especificamente no primeiro livro da coleção: Percy Jakcson e o Ladrão de Raios.





[ATENÇÃO! AQUI COMEÇA O BOMBARDEIO DE SPOILERS. LEIA POR CONTA E RISCO]


Antes de mais nada eu imploro ao leitor para esquecer completamente as versões cinematográficas dessa história. Só para dar uma ideia da discrepância entre os livros e os filmes, visualizem o seguinte: nas cinquenta primeiras páginas se descobre que nosso protagonista é um herói (semideus na mitologia grega); nas cem primeiras descobrimos que seu pai é o deus grego Poseidon, o senhor dos mares, e que algo foi roubado de Zeus, o senhor do Olimpo; nas cinquenta páginas seguintes descobrimos que o objeto surrupiado era seu raio mestre. Já nos trinta primeiros segundos de filme, vemos um gigante ridículo extremamente espalhafatoso se erguer das águas do rio Hudson, numa versão Village People inacreditavelmente chamativa do nosso mestre das marés, subir em um arranha céu de Nova York, e encontrar-se com o Zeus, que aponta seu dedo para o irmão (já falei que eles são irmãos?), e diz:
-Seu filho roubou meu raio mestre.
Trinta segundos de filme dando um spoiler de si mesmo e estragando todo o suspense e descoberta, extremamente bem explorados e talvez essenciais, das cento e cinquenta primeiras páginas do livro. Inacreditável.
Ignorando o ódio, vamos mergulhar um pouco no universo criado por Rick Rjordan. 

Sinceramente, jamais vi um universo mitológico ser adaptado para a realidade dos dias atuais de maneira tão homogênea. Cada divindade, monstro e entidade presentes no universo fantástico grego são inseridos de uma maneira muito divertida em nosso cotidiano. Nós, humanos atuais, somos tão incapazes de aceitar esses seres incríveis que vivem que entre nós, que uma Névoa bloqueia nossa visão e distorce a realidade para um nível de compreensão mais aceitável. Sabe aquele seu vizinho retardado, que parece um mongol gigante, e faz as coisas mais estúpidas possíveis? Bem, ele provavelmente é um alienígena ciclope, ou outra besta sem muito cérebro. Vemos tanta gente esquisita todo dia, que não é difícil acreditar que talvez sejam monstros bizarros ou seres de outro mundo coisa do tipo.
Dessa forma, não há estranheza na interação dos personagens desse mundo lendário com o mundo maluco em que já vivemos.
Não se deixe desestimular pela primeira página do livro. O leitor assíduo deverá estranhar (e até hostilizar) muito a narrativa da história; o autor tenta seguir o modelo de texto em que o personagem fala diretamente o leitor, o que obviamente não funciona muito bem e é abandonado poucas páginas adiante. A bem da verdade, a narrativa inteira é um pouco estranha, com os verbos no tempo presente, mas quando a imersão começa, ela se torna transparente e imperceptível. 



 Os pontos mais fortes do livro são os cenários e combates, com a dose certa de ação e descrição, que cria imagens fodásticas extremamente empolgantes, mesmo na imaginação mais fraca. O roteiro da obra em si é extremamente bem elaborado, e sem pontas soltas. E o maior atrativo da história são as profecias, cujas linhas são vistas e revistas em cada ponto da história, e entregam o futuro do enredo em suas mãos logo no início, mas de uma forma tão enigmática que você passa a esperar um plot twist a cada vez que tenta reinterpretar o que seu significado. Não apenas isso, as profecias forçam os protagonistas a lidarem com o terrível elemento ‘futuro inexorável’, fato que vai acontecer e não pode ser impedido, isso gera dramas psicológicos excelentes. Aliás, vale a pena dizer que toda a trama se desenrola em volta de uma previsão inexorável de destruição e morte.
Em uma sacada brilhante, Rick Rjordan coloca em sua obra questionamentos que os próprios leitores fariam diante dessa realidade como, por exemplo, o fato de sabermos que o Sol é uma bola gigante de hidrogênio queimando a milhões de distância da Terra, e ainda assim haver uma divindade que o carrega através do céu em sua carruagem voadora. As explicações – além de muito coerentes e plausíveis – são muito bem humoradas, e fazem com que o leitor mergulhe mais facilmente no universo proposto.
Acima de qualquer outra coisa, esse fantástico livro de aventura é a mais brilhante aula de mitologia que já assisti. Mesmo se passando em tempos atuais, cada trecho é recheado de fatos passados nas lendas originais, na Grécia e Roma antigas, e colocado de uma forma tão lúdica quanto nenhum de meus professores de história jamais soube fazer. 
Graças a Hades Deus, é uma série longa o bastante para não acabar deixando gostinho de quero mais (cinco saudáveis livros entre 250 e 400 páginas cada), e curta demais para se tornar cansativa. 
Apesar de ser parte do hype de livros para adolescentes, onde o guri já nasce com superpoderes especiais, sem ter se esforçado nada pra isso, a coleção ainda é capaz de entreter a maior parte do público adulto e, apesar de não ser um livro fantástico, é um excelente passatempo e uma ótima fonte de estudos históricos.

Experimente, e deixe você mesmo sua pá de merda.

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